Coordenado pelo neurocientista, Campus do Cérebro vai além das pesquisas: pretende transformar a sociedade e diminuir a distância que separa brasileiros e cientistas
‘A ciência precisa de um banho de povo’, defende Miguel Nicolelis
“No começo, quando eles chegaram na escola de educação científica, em Natal, olhavam para o chão quando conversavam com as pessoas. Hoje olham nos olhos, com a autoconfiança de quem é protagonista na construção do conhecimento, por meio de uma ciência transformadora da qual se apropriaram”, conta o cientista.
Educação é o único caminho para a felicidade. O cérebro é o único órgão que conhecemos em todo o universo em que a informação altera a morfologia microscópica do tecido orgânico. O cérebro só tem funcionamento pleno quando encontra educação. É única orquestra em que cada nota produzida por ela muda a configuração dos instrumentos musicais.
De acordo com o cientista, os estudantes que frequentam a escola no Campus do Cérebro, em horário complementar ao da escola regular, aprendem fazendo ciência na prática. Em vez de decorar conceitos, enunciados e teorias, realizam diversas experiências práticas até chegarem às conclusões que vão embasar a construção, por eles próprios, dessas leis. “Aos 10, 12 anos, eles entendem o que fizemos no exoesqueleto. Nossos alunos são protagonistas da própria educação, são nossos parceiros. Por isso os alunos não se sentem mais inferiores quando se sentam com pesquisadores de várias partes do mundo que nos visitam”, destaca.
“Um dia, um presidente da República muito popular foi nos visitar em Macaíba. Ele pôs aquela mão de torneiro mecânico em um aluno e perguntou: ‘o que você acha dessa escola?’. A resposta foi: ‘Escola? Escola vou pela manha. Isso aqui é meu parque de diversões’”, diverte-se Nicolelis.
Gatos
Essa educação pelo fazer científico tem reflexos até na vida das comunidades de Macaíba. Nicolelis conta que graças aos circuitos elétricos trabalhados pelos alunos no aprendizado da leis de Ohm, sobre tensão e correntes elétricas, não houve mais incêndios devido a instalações irregulares, os famosos “gatos”.
“Essa lei de Ohm é uma das conquistas da nossa escola. Depois de aprende a lei, os alunos ensinaram os pais a fazer o “gato” direito. Para a companhia de eletricidade é uma má notícia. Mas para os bombeiros é um remédio; para mim foi o auge. Isso é ciência. A ideia era fechar esse ciclo. Vamos ter escola em tempo integral e curso de doutorado. Mestrado já temos aqui.”
Outra história que o cientista sempre conta, sem citar nomes: “Um presidente do Senado, da Câmara, não importa quem, se encontrou com 600 nossas crianças. Quando ele começou fazer campanha e ameaçou pedir votos, uma menina levantou e interrompeu: ‘o senhor concorreu na última eleição, prometeu esgoto e não tem esgoto não. Agora o senhor vem aqui pedir voto? Aqui a gente aprendeu que tudo tem causa e efeito. O senhor não é causa nem efeito.’ Essa escola forma cidadãos.”
Transformação
Ele defende que a ciência transformadora da sociedade e emancipadora – que já formou crianças que a princípio queriam ser jogadores de futebol ou modelos mas que resolveram ser cientistas, e voltam para o campus para visitar ou para trabalhar – contribua também para disseminá-la entre a sociedade brasileira, para quem ciência ainda é coisa de ficção científica.
“Quem aqui já leu um livro de ciências? Quem fez experimentos em bancada? Achar o DNA de uma cebola? Explodir panelas da mãe, como fiz muito?”, questiona à plateia que lota o auditório do Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo, para sua palestra.
Miguel Angelo Laporta Nicolelis é um médico e cientista brasileiro, considerado um dos vinte maiores cientistas em sua área no começo da década passada pela revista de divulgação Scientific American. Foi considerado pela Revista Época um dos 100 brasileiros mais influentes do ano de 2009.
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‘A ciência precisa de um banho de povo’, defende Miguel Nicolelis