Trechos da entrevista: “Ailton Krenak: florestania para aprender a ouvir o rio e a montanha”
“O meu amigo Tika, do povo Yawanawa, que esteve no encontro com o Nagakura [no Instituto Tomie Ohtake para o lançamento da exposição], fez uma fala tão bonita sobre o povo dele, o seu território e sobre a ideia, por exemplo, da oralidade como veículo de transmissão de saberes. Sobre sua experiência dentro da floresta, disse de uma maneira muito clara que tudo tem a capacidade educativa ou educadora da pessoa e que dentro da floresta não existe alguém que é o professor, porque são tantos, eles estão em tantas representações que a experiência não fica exclusiva entre um ser humano e outro ser humano, ou entre um Yawanawa e outro Yawanawa, mas é uma experiência tão aberta que você aprende com a árvore, com o sonho, com o vento, com a chuva, com os outros animais. Tudo nesse território tem pessoalidade, tudo ali é uma pessoa. Quer dizer, tudo é gente.
No Ocidente, a ideia de educação começa com um erro fundamental: acreditar que ela é um assunto exclusivamente da espécie do humano. Então, o humano não se educa com um cavalo, com um peixe, ele não se educa com um pássaro cantando ou com um evento qualquer daquilo que a gente chama de natural. Esses eventos estão todos surdos, cegos e mudos. Não têm nada a dizer para o humano. Isso sugere que, na verdade, quem está cego, surdo e mudo é esse humano que perdeu a noção de tudo e que criou uma ideia de si atomizada, um átomo. Então eles se batem por aí, se movem por aí, mas não são capazes de se permitir atravessar-se por outras antologias, por outras perspectivas, por outras poéticas.
E faz muito tempo que nesse campo da educação, da pedagogia, dos grandes instrutores do tema, eles nos lembram que comunidades educadoras ou comunidades se autorreferindo para a educação incluem outros seres que não são os humanos. Quer dizer, ela não acontece dentro de uma sala e não acontece entre quatro paredes, acontece numa experiência ampla de exercício de ser, de liberdade. Ela tem de ser livre; se não for um exercício de liberdade ela é domesticação, ela é formatação.
Já ouvi alguém fazendo uma crítica: ‘por que dizem — Fulano formou-se, alguém formou-se no ensino fundamental, alguém formou-se na faculdade, agora tem formação superior?’ Na verdade, o etimológico é: ele está formatado, você formata um chip, você formata um arquivo de imagens, um arquivo de som. Mas você não formata seres humanos. Quando você subordina a experiência do conhecimento a um formato você já matou a experiência no caminho. A gente até podia pensar um poema: quando for formar, evite formatar, não mate.”
Ailton Krenak: autor dos best-sellers Ideias para adiar o fim do mundo, O amanhã não está à venda e A vida não é útil, primeiro indígena a ter uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL). Junto a outras lideranças, foi responsável por garantir direitos indígenas na Constituição de 1988.
Veja a entrevista completa em:
Ailton Krenak: florestania para aprender a ouvir o rio e a montanha